SERRAS E ÁGUAS

Montanhas me movimentam. Movimentam músculos, ossos, serotoninas e endorfinas. Acima de certa altitude, onde a maioria da biota é invisível aí sim, com o coração batendo forte no peito, lutando pelo oxigênio, é que sentimos a imensidão do universo; o azul do céu torna-se incrivelmente azul, meio assim policromático, estonteante. O silêncio, esse diferente do silêncio zumbido, habitual, só se escuta na solitude da montanha. É o mais próximo da alma que já consegui alcançar. Mistura de magia, cansaço, hormônios, adrenalina, felicidade. Assim imagino felizes os monges tibetanos pois têm ali, à mão, ingredientes potencializadores que catalisam harmonicamente alma e assuntos terrenos. Mesmo aqui nas nossas não menos poderosas montanhas esse sentimento inunda. A presença do divino também se manifesta, agora diferente, mais sonoro e alegre. O azul torna-se verde, e o som de alguns seres que também só se escuta depois de alguma altitude se fazem presente. É só uma questão de percepção. Formada em canga, nossas montanhas, como magneto, nos prende e nos une a ela. É só deixar. E a canga, onde vivo, como nenhum outro tipo de solo, com afinidade aguçada pela água, a recebe desavergonhadamente, e entre suas entranhas a retém, amniótico, quente. Aqui e ali, insurgências brotam, deixando fluir seu caldo puro e cristalino, mineralizado, dito especial. A ferro e água.

Lucas Machado

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

MANIFESTO PÚBLICO


MANIFESTO PÚBLICO EM DEFESA DAS ÁGUAS E SERRAS DE CASA BRANCA

A sociedade organizada no Movimento pelas Águas e Serras de Casa Branca, cujo propósito é preservar as nascentes e mananciais da região para a saúde ambiental e conseqüente qualidade de vida da população, vem a público manifestar a realidade da convivência com a atividade mineraria e apresentar ações necessárias para nossa sobrevivência comum.

Nosso dia a dia na vizinhança das minas da Jangada, Córrego do Feijão e Capão Xavier, todas atualmente operadas pela Vale, é afetado por inúmeros incômodos. Como exemplo, podemos citar a poeira, poluição do ar e sonora, as rachaduras nas residências, grande fluxo de trabalhadores terceirizados, trânsito e, o mais grave, ameaça à água de alta qualidade que historicamente abastece a população.

Irresponsabilidade histórica

Durante todo o processo de Licenciamento Ambiental (nº 118/2000/007/005) para ampliação da Mina da Jangada, ocorrido durante o ano de 2005, não houve referência sobre o impacto direto das operações da mina sobre o volume de água das nascentes dos Córregos da Jangada e da Índia. Atualmente a população vem sentindo a diminuição da quantidade e qualidade das águas de abastecimento humano. É fato que a mineração rebaixa o lençol freático e a Vale não assume que sua atividade também é responsável pelo impacto negativo na oferta de água. É importante lembrar que a água foi declarada pelas Nações Unidas como direito humano essencial à vida.

Os impactos sociais também não foram mensurados. Casa Branca, comunidade mais próxima e mais afetada pela mina, não foi considerada adequadamente no EIA/RIMA como Área de Influência Direta, os estudos focaram no município de Sarzedo. Na época, a população se manifestou na audiência pública (realizada em Brumadinho, em 07/03/2006) e protocolou seu posicionamento e demanda, no entanto, não foi devidamente ouvida nem pelo empreendedor nem pelos órgãos públicos. Na verdade fomos ignorados. Como sequer fomos considerados como atingidos, as condicionantes definidas naquele momento não são capazes de mitigar ou compensar os impactos negativos que sofremos.

Os fatos acima apresentados demonstram que o desrespeito com a população está presente já há alguns anos. Além dos impactos na vida dos seres humanos, sabe-se que também ocorrem ilegalidades éticas no que diz respeito à relação com a biodiversidade. Estamos na APA Sul e no entorno do Parque Estadual da Serra do Rola Moça, com presença de outras importantes unidades de conservação, o que prova a forte vocação econômica da região para atividades que integram harmonicamente pessoas e natureza, como o turismo ecológico, histórico e cultural. Vale destacar a importância vital dos serviços ambientais que essas áreas naturais prestam a toda Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Salientamos a presença de Mata Atlântica, defendida pela Lei Federal 11.428, de 2 de dezembro de 2006. É sabido que as condicionantes das licenças para a implantação e operação das minas prevêem o plantio de espécies nativas, porém, por ineficiência não apenas do empreendedor, mas também do órgão público responsável, tal recuperação florestal não vem sendo realizada. Ênfase merece também a borboleta Paridis burchelanus, considerada extinta desde 1940 pelo Livro Vermelho de Espécies Ameaçadas da Fauna Brasileira, encontrada recentemente no leito do Ribeirão Casa Branca. Essa espécie é altamente sensível à quantidade e qualidade das águas, e qualquer interferência em seu habitat é um grande risco para sua definitiva extinção.

Sobre o desempenho de funcionamento das minas da região, tivemos acesso a relatórios técnicos de monitoramento das águas e efluentes que apontam concretas violações de limites legais de vários parâmetros fixados em normas federais ou estaduais.
Enfim, são muitos os passivos pendentes, tantos que nem é possível registrar todos aqui.

Convocação para ação responsável

As reivindicações aqui apresentadas não são novidades, já foram feitas em diversos espaços públicos e estão registradas em vários documentos formais, protocolados junto aos órgãos competentes e parte do processo de licenciamento da Mina da Jangada (disponíveis mediante solicitação). São elas:

·       Inserção da área entre a estrada de Nova Lima e Casa Branca e a Mina da Jangada, localizada na Serra dos Três Irmãos, ao Parque do Rola Moça;
·       Criação da Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN) da Jangada que garanta a preservação das águas, nascentes e mananciais de abastecimento público;
·       Apoio para a criação de um Programa de Educação Ambiental e Turismo Responsável, elaborado e gerido juntamente com a Prefeitura Municipal de Brumadinho e com a população local, na área que inclui as cachoeiras do ribeirão Casa Branca;
·       Calçamento (com bloco de rejeito da mineração) de Casa Branca até Córrego do Feijão (incluindo a rua 27, Alameda Sibipiruna). Molhar a estrada é apenas uma medida paliativa, precisamos de uma solução definitiva. O projeto de calçamento deve ser elaborado em conjunto com a comunidade;
·       Disponibilização de informações periódicas da operação da mina para a população local;
·       Controle da poeira gerada dentro da mina da Jangada;
·       Programa de Educação no Trânsito, além da sinalização das estradas dentro da comunidade diretamente afetada.

Rogamos ao Ministério Público, aos órgãos competentes e ao Conselho Estadual de Política Ambiental, em especial a Unidade Regional Colegiada Paraopeba, que não emita nenhuma licença ambiental para empreendimentos de mineração em nossa região antes da real mitigação dos impactos que sofremos há vários anos. E ainda que as fiscalizações sejam freqüentes e sérias.

Estamos dispostos a defender nossas vidas e nosso ambiente. Caso as reivindicações aqui apresentadas não recebam a atenção que merecem, por favor, interpretem este manifesto como o anúncio de nossa luta firme e pacífica. Temos plena consciência dos nossos deveres e direitos como cidadãos. Sabemos que o que estamos defendendo é legítimo, fundamental e a favor da vida. Acreditamos que juntos somos fortes, e que salvar o presente e o futuro do nosso planeta é um dever ético e da natureza de todos.

Com esperança.

Movimento pelas Águas e Serras de Casa Branca

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