SERRAS E ÁGUAS

Montanhas me movimentam. Movimentam músculos, ossos, serotoninas e endorfinas. Acima de certa altitude, onde a maioria da biota é invisível aí sim, com o coração batendo forte no peito, lutando pelo oxigênio, é que sentimos a imensidão do universo; o azul do céu torna-se incrivelmente azul, meio assim policromático, estonteante. O silêncio, esse diferente do silêncio zumbido, habitual, só se escuta na solitude da montanha. É o mais próximo da alma que já consegui alcançar. Mistura de magia, cansaço, hormônios, adrenalina, felicidade. Assim imagino felizes os monges tibetanos pois têm ali, à mão, ingredientes potencializadores que catalisam harmonicamente alma e assuntos terrenos. Mesmo aqui nas nossas não menos poderosas montanhas esse sentimento inunda. A presença do divino também se manifesta, agora diferente, mais sonoro e alegre. O azul torna-se verde, e o som de alguns seres que também só se escuta depois de alguma altitude se fazem presente. É só uma questão de percepção. Formada em canga, nossas montanhas, como magneto, nos prende e nos une a ela. É só deixar. E a canga, onde vivo, como nenhum outro tipo de solo, com afinidade aguçada pela água, a recebe desavergonhadamente, e entre suas entranhas a retém, amniótico, quente. Aqui e ali, insurgências brotam, deixando fluir seu caldo puro e cristalino, mineralizado, dito especial. A ferro e água.

Lucas Machado

sábado, 18 de junho de 2011

CARTA À EMPRESA VALE

Aos Exmos senhores dirigentes, funcionários e responsáveis pela Companhia Vale,
Somos membros do movimento Casa Branca Água Viva, sediado em Casa Branca, no município de Brumadinho, Minas Gerais. Esta região, limítrofe ao Parque Estadual da Serra do Rola-Moça, na grande BH, faz parte de um complexo ecológico de rara beleza e grande relevância por sua biodiversidade, fauna e flora singulares, montanhas e nascentes com águas de primeira qualidade, muitas delas de água mineral, tornando-se um dos maiores mananciais hídricos responsáveis pelo abastecimento da cidade de Belo Horizonte e seu entorno, uma autêntica reserva natural. 

O Casa Branca Água Viva é um movimento de caráter preservacionista, que tem como objetivo central a defesa desse patrimônio ambiental, cultural e científico. Entre seus membros encontram-se pessoas de áreas diversas: professores, artistas, médicos, geólogos, engenheiros, advogados, jornalistas, ambientalistas, trabalhadores rurais, pessoas nativas e de outras cidades que vieram para Casa Branca em busca de uma vida harmoniosa e saudável, com silêncio, água, terra e ar puros, vida esta cada vez mais ameaçada pela exploração dos recursos naturais da região, feita principalmente por empresas mineradoras.


O nosso grupo realiza atividades que visam promover o bem comum e um futuro verdadeiramente próspero para todos, objetivos pelos quais lutaremos, resistindo pacificamente, mas com firmeza, sempre que estes forem ameaçados. Somos lúcidos e temos plena consciência dos nossos deveres e direitos como cidadãos, trabalharemos nisto até as últimas consequências, pois sabemos que o que estamos defendendo é legítimo, fundamental e a favor da vida. Acreditamos que juntos somos muito fortes, e que salvar o futuro do nosso planeta não é uma missão restrita a ambientalistas, e sim um dever ético e da natureza de todos.


A Vale procura difundir uma imagem de empresa socialmente responsável, mas não é o que tem demonstrado diante dos fatos ocorridos nesses primeiros tempos de convivência com a comunidade de Casa Branca. Além do não cumprimento por parte da empresa de várias condicionantes acordadas para a extração do minério nesta região, outras irregularidades também já foram identificadas, sendo as mesmas causadoras de grandes prejuízos à população, como a danificação da estrada local, veículos da empresa trafegando pela mesma em alta velocidade, ruídos noturnos provenientes de suas máquinas, prejudicando o sono dos moradores, culminando, no último verão, com a falta de água em pleno período de chuvas, período este em que a Vale iniciava as atividades de expansão na mina da Jangada, e como foi constatado, poluindo e fazendo uso indevido das águas daquela área, a mesma água (classe 1) usada para beber pela população local.

A denúncia do ocorrido foi levada ao Ministério Público pelo nosso movimento, que também realizou um show com artistas reconhecidos na área da música para levar tais fatos ao conhecimento da opinião pública, culminando com a manifestação em que foi bloqueada a via de acesso à mina da Jangada, o que foi amplamente divulgado pela mídia, contando inclusive com matéria veiculada nacionalmente pela TV Globo. A Vale diz promover um desenvolvimento sustentável, mas a necessidade de estarmos aqui hoje, defendendo a integridade de nossa gente, bem como de nossas águas, árvores, montanhas e animais do risco iminente de extinção, comprova que sua imagem de sustentabilidade levada a público, não corresponde à realidade.

Da mesma forma que o aquecimento global há anos atrás era apenas uma hipótese longínqua e hoje se tornou real transformando a vida de muitos, recentes pesquisas revelam que caso a mineração em Minas continue no ritmo em que está, e da forma insustentável como se apresenta, desmatando, poluindo rios e interferindo nos nossos lençóis freáticos, em poucas décadas, as regiões ferríferas e igualmente aquíferas próximas à área metropolitana de Belo Horizonte, sofrerão graves problemas em relação ao abastecimento de água. Os senhores têm uma perspectiva do que isto representa para uma população de milhões de pessoas, para um estado considerado a caixa d'água do sudeste brasileiro? E continuarão, por interesses financeiros e privados, sendo responsáveis e coniventes com essa possibilidade desastrosa?
Todos nós sabemos da importância do minério de ferro para o mundo atual, afinal também nos beneficiamos dele, mas é imprescindível que sua exploração seja feita de maneira criteriosa, responsável e sobretudo humanizada, acompanhada efetivamente de ações compensatórias e preservacionistas. Precisamos lembrar que nosso planeta, bem como seus recursos naturais são finitos, e que a Terra é um organismo vivo, a grande mãe provedora, a quem devemos consideração, respeito, cuidado e sobretudo gratidão.

Estamos cientes de que não estamos diante de uma simples batalha, pois caso tudo continue como está, num espaço não muito longo no tempo, todos sairão perdendo.
Sabemos também que estamos diante de um gigante de imenso poder econômico, a Vale é sem dúvida um Golias, mas acreditamos que se aproxima o dia em que todo indivíduo consciente tornar-se-á um Davi frente a tais gigantes, a fim de também conscientizá-los a usarem a força e o poder que possuem para o bem, para através do entendimento e da ajuda mútua, lutarmos pela auto-preservação da espécie, e darmos assim um importante passo rumo à consolidação da nossa unidade com o Todo. Então vai aqui o nosso apelo aos senhores acionistas, dirigentes e trabalhadores dessa empresa, humanos como nós, que têm família, coração e sonhos como nós, que façam todo o possível a fim de minimizar os estragos, quase sempre irreparáveis e irreversíveis que a atividade minerária provoca em nosso habitat
.


"Não dá para pensar no futuro do planeta sem pensar no futuro das florestas e do meio ambiente. Sustentabilidade."
Estas sábias palavras compõem um texto em painéis de propaganda nos aeroportos do Brasil e está assinado pela Vale; após constatarmos as recentes ocorrências acima citadas, essa frase até poderia suscitar dúvidas, mas preferimos confiar que a Vale irá honrar este compromisso e fazer valer sua palavra. 
Atenciosamente,


Membros do Movimento Casa Branca Água Viva


Carta protocolada e entregue a representantes da Empresa durante reunião com o Movimento em 16 de junho de 2011

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